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Queria Ver Você Feliz - Adriana Falcão

Foto: Let It Bela
Autor: Adriana Falcão
Editora: Intrínseca
Ano: 2014
Páginas: 160

Há quem o chame de Eros, Kama, Philea ou Ahava. O Amor, esse personagem mítico, desempenha o papel de narrador na história real do casal Caio e Maria Augusta, pais da autora Adriana Falcão. O Amor se descreve como perfeccionista e obcecado pelos detalhes, nada que o impeça de ser um bocado descuidado com as consequências dos sentimentos que provoca com suas flechas. Assim, com uma linguagem poética e ao mesmo tempo muito bem-humorada, Adriana revela para seus leitores aquilo que poderia ser descrito como uma história trágica protagonizada por dois personagens atormentados por seus demônios. Apaixonados, Caio e Maria Augusta se casam no Rio de Janeiro da década de 1950 e têm três filhas. Todo o sentimento que eles compartilham não impede que a personalidade exuberante de Maria Augusta se torne mais obsessiva e asfixiante com o passar do tempo, apesar dos medicamentos e dos tratamentos psiquiátricos. Caio, por sua vez, aprofunda uma melancolia que existia nele desde a adolescência, e que culmina nos anos 1970 em tentativas de suicídio. Mais do que uma história com um final dramático, trata-se de memórias afetivas que alternam momentos de intensa felicidade e outros tantos de dor, como acontece nas melhores famílias

Queria ver você feliz foi uma leitura diferente e surpreendente, já que inicialmente eu não dava nada para essa leitura. Apesar de pertencer ao gênero não-ficção, por retratar a história da família Falcão (lembrou da Clarice? Pois é.), esta obra possui uma escrita perceptivelmente romanceada. Nela, conhecemos a história de amor e obsessão de Caio e Maria Augusta, pais da autora. Adriana, porém, em nenhum momento se coloca na posição de quem conta os momentos vividos pelo casal. O narrador é ninguém menos que o Amor, que logo no início avisa:
"Faz parte da minha natureza transgredir, invadir, violar. Não me interessa desimpedir impedimentos, não necessito de acordos, não me aprazem os “a contento”, não sou de pedir licença, não estou nem aí para sorrisos hospitaleiros, não me venham com xícaras de chá. Estou, sim, belicosamente plantado no meio de olhos que não se devem olhar, corpos interditos, condições incompatíveis, atos ilícitos, corações desautorizados".
Apresentações feitas, o Amor inicia sua descrição dos fatos. Era maio de 1947 quando Maria Augusta, então com 14 anos, e Caio, 15 anos, se conheceram. O romance não demorou a começar, apesar da não aprovação da mãe de Maria Augusta. Desde essa época, a menina já demonstrava possuir traços obsessivos e exigia a presença constante do namorado que, por sua vez, era extremamente ciumento. Para alegria de nosso ilustre narrador, que adora um empecilho para se tornar ainda mais forte, Maria Augusta é obrigada pela mãe a passar as férias na casa de parentes em outro estado. Cartas e mais cartas são enviadas por ela quase que diariamente, declarando seu amor e sua saudade. Se Caio não escrevesse com a mesma frequência ou esquecesse de usar formas de tratamento carinhosas, a menina sofria, chorava e escrevia reclamando. O livro traz as cartas trocadas por eles e, mesmo não sendo o destinatário daquelas palavras, é possível para o leitor sentir o amor sufocante de Maria Augusta, e mais ainda, o jeito provocador de Caio.

Alguns anos depois vieram o casamento e as filhas. Foi, sem dúvida, a fase mais difícil para o casal. Crises, remédios e tratamentos psiquiátricos passaram a fazer parte da rotina da família. Toda a carga dramática da história é contrabalanceada com a narração do Amor. Muitas de suas colocações são bonitas, quase poéticas, daquele tipo que a gente marca para nunca esquecer; outras são divertidas, sarcásticas até. Sem dúvida a escolha por esse estilo de narrativa contribuiu para tornar a história muito mais interessante de se ler.
"Se tem uma coisa que me encanta é acompanhar os momentos de virada na vida das pessoas. Uma decisão, uma desistência, um desvio, uma pergunta, um silêncio, e de repente uma possibilidade de futuro desmorona e uma outra aparece, inesperadamente. Muitas vezes as pessoas nem percebem na hora que aquela hora é decisiva. Quando vêm enxergar isso, já tomaram um caminho que pode terminar em arrependimento, ou em alívio. Penso que se fosse dado aos humanos o direito de voltar atrás e mudar algum ponto da trajetória, talvez eles passassem a eternidade para trás e para a frente e suas histórias não terminassem nunca. Nem todo mundo consegue identificar em que ponto, exatamente, este ou aquele rumo se traçou. Mas eu consigo".
Recheado de cartas, bilhetes e fotos, Queria Ver Você Feliz é um livro sobre o amor. O amor que tudo tolera, que tudo suporta, que vence quase qualquer coisa. É bonito e ao mesmo tempo angustiante acompanhar a trajetória do casal, intensa desde o início. Tentar rotular a relação como doentia ou enquadrar cada um em uma entidade nosológica é quase irresistível. Mas, contrariando qualquer tentativa de intelectualização, a explicação do nosso narrador (e, quem sabe, da autora) é uma só e bem simples: amor demais. Fiquemos com ela. Apesar de que o sentimento causado por uma obsessão doentia permeia o leitor à cada página, nos fazendo questionar até que ponto o amor pode servir como justificativa.
"Amar subentende agir: praticar, lutar, se dedicar, se lançar, se envolver, cuidar, conceber, compreender, construir. Subentende, ainda, se for o caso, se abster de algumas coisas em função de outras. Ou apenas ter paciência. Não agir também é uma forma de agir, não fui eu quem formulou esse pensamento, foi um filósofo por aí. Agindo ou não agindo é preciso muita capacidade, altruísmo, liberdade, nobreza e, ao menos, um pouquinho de loucura para amar de verdade. Nem todo mundo sabe amar de verdade. Eu me recuso a me entregar de verdade a qualquer um sem prévia seleção. Sempre escolho aqueles que têm algum mérito."

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